Tarja Turunen- A alquimista.
Ela nasceu na Finlândia, é cantora clássica, sua classificação vocal é soprano, e dizer que ela é absolutamente linda seria um eufemismo. Ela era líder do Nightwish, uma verdadeira referência dentro do Symphonic Metal, até que foi demitida, casou-se com um argentino, e veio viver em Buenos Aires para continuar sua carreira solo. Ar-gen-ti-na!
Era uma tarde de domingo ensolarada na Rua Defensa. San Telmo está fervilhando com turistas e vendedores ansiosos para vender alguma “antiguidade” por um preço bem salgado. Mas o casal que fala inglês estranhamente aparenta ser da região. Ele um pouco mais, já que estamos em sua cidade, mas ela não fica muito atrás: seu cabelo negro e liso cai livremente sobre sua camisa de San Lorezeno! O casal caminha entre as pessoas como se ela não fosse uma estrela internacional do Heavy Metal, status que ela ocupa desde que ela emprestou sua voz de soprano ao Nightwish, há mais de uma década. Depois do mal momento de sua saída da banda, Tarja Turunen, ou simplesmente Tarja, mudou-se, por sua própria insistência, para a Buenos Aires de seu marido, o empresário de rock, Marcelo Cabuli. “Estou morando aqui há três anos e amo essa cidade”, diz a cantora. “Muitos argentinos me perguntam como eu posso amar Buenos Aires (risos), mas estar aqui me proporciona uma liberdade que eu não tenho mais na Finlândia. Em meu país todo mundo me conhece, e aqui a situação é diferente. Sim, aqui todo dia alguém pede para tirar uma foto comigo, mas por mim tudo bem, não é como na Finlândia, que acontece o tempo todo. Aqui posso viver minha vida, me sentir confortável”. E, em espanhol, acrescenta “ Eu posso pegar o metrô, posso fazer minhas compras, posso fazer de tudo”.
-E seu espanhol melhorou muito.
-Sim, mas nós não ficamos aqui o tempo todo. Nos últimos 5 anos, nunca estivemos no mesmo lugar por mais de 3 semanas. É por isso que meu espanhol não evoluiu mais, embora eu entenda tudo e possa viver minha vida aqui. Mas meu marido não gosta de falar em espanhol comigo (risos). Nós começamos a nos comunicar em inglês, e agora isso é difícil de mudar. Pode ser também que ele não seja muito paciente comigo quando estou falando em espanhol, mas eu quero aprender.
-E para seu novo álbum, What Lies Beneath, você teve a experiência de trabalhar em um estúdio argentino, o que deve ter proporcionado algum tipo de peculiaridade não é?
-Na verdade, a grande diferença desse álbum, é que eu gravei meus vocais na minha própria sala de estar. Em um anti-estúdio... Eu encontrei uma maneira de produzir as minhas partes com liberdade, sem estar em um estúdio. Eu simplesmente ligo um microfone e um auto-falante em um volume bem baixo, e canto livremente. E o ambiente soa como uma sala de estúdio mesmo. Além do mais, tendo essa oportunidade, acabei gravando, no máximo, uns cinco takes por dia, eu não ficava tentando de tudo o tempo todo. Eu sabia o que eu queria, e se não desse certo, eu deixava para o dia seguinte. E agora, quando escuto as gravações, percebo que minha voz soa muito natural, o que era justamente o que eu queria. De qualquer forma, eu já tinha gravado minha voz antes em um estúdio daqui, que é o “ El Pie”, que é um estúdio muito bom e muito aconchegante, e é o tipo de estúdio que me deixa confortável. A maior parte do álbum foi gravada na Finlândia: bateria, baixo e guitarras. A orquestra e o coro foram gravados e mixados em três lugares diferentes: Londres, Austin (Texas) e Los Angeles.
-Isso é muito internacional...
-Sim, isso tem a ver com o fato de que as músicas soam muito diversificadas. Você não pode dizer que meu álbum é de Heavy Metal, é algo diferente.
-Por exemplo, Anteroom of Death, a música que abre o álbum, é bem progressiva, e me lembra o “Bohemian Rhapsody” do Queen, por causa dos arranjos vocais.
-Eu lhe agradeço muito por esse elogio, até porque eu me inspirei em “Bohemian Rhapsody” para compor essa música. Para mim, é uma das melhores músicas da história! A inspiração para “Anteroom...” veio de uma maneira bem natural. Eu estava ouvindo o começo da música durante uma manhã, e comecei a pensar na idéia de adicionar mudanças no tempo da música, e incluir um grupo alemão a capella na faixa, o Van Canto.
-Como você conheceu essa banda?
-No Festival de Vozes Femininas do Metal, o Metal Female Voices Festival,
(embora o grupo tenha também vozes masculinas) na Bélgica. Eu disse pra eles: “Tenho uma música para vocês”. Eles adoraram o que ouviram, e trabalhamos juntos até que a música saísse do jeito que queríamos.
-Você enfrentou alguma dificuldade para conseguir entrar em uma dinâmica de um grupo vocal?
-Não, foi muito fácil, embora eles tenham o seu próprio som. Claro que tive que preparar uma certa estrutura, e dar a eles alguns exemplos. Nós trabalhamos de uma maneira muito unida, então não foi difícil, porque eles são muito talentosos.
-Em uma outra entrevista você afirma que, nesse álbum, nós poderíamos ouvir a sua alma. E o disco começa com “Anteroom of Death”, então fiquei imaginando se sua alma talvez não fosse um tanto sombria...
-(Risos) Mas você ouviu o resto? Bem, é uma beleza sombria. Eu sempre tento combinar o metal com elementos de grande beleza. Eu adoro ter a escuridão e a aspereza ao fundo, com os riffs de guitarra, que soam como um chute, mas é bom ter uma bela melodia e vocais cristalinos. Eu amo esse contraste entre esses dois mundos, Metal e Clássico, e amo essa fusão. Até hoje continuo fazendo concertos de música de câmara, mas também amo pisar em um palco de show de rock. Acho que dessa maneira posso atingir mais pessoas, e pessoas diferentes, não importando a idade. Minha alma está muito feliz hoje em dia. Eu me sinto muito bem por poder expressar a minha arte, não há nada que eu gostaria de mudar. Eu, agora, estou compondo músicas...e isso é muito bom! É um presente maravilhoso poder sentar à frente de um piano e gravar idéias no meu Iphone quando elas aparecem. E o álbum soa exatamente assim: o que apareceu no momento.
-Além de compor as músicas, você também produziu o álbum. Talvez agora você seja uma artista completa e não só uma cantora?
-Espero que sim, porque ainda tenho muito que aprender na música... e progredir é muito importante para mim. Seria muito triste para eu pensar “Tudo bem, eu sei cantar, então não preciso mais trabalhar”. Essa imagem não me representa de jeito nenhum: Eu gosto de trabalhar bastante, gosto de aprender cada vez mais. É um fato que sempre tem alguém melhor que você. Sério, existe um monte de artistas maravilhosos por aí, tem muita boa música por aí. E eu sou uma perfeccionista, então nunca vou querer ficar só dentro dos meus limites.
-Você sempre tem que sonhar mais alto.
-Exatamente. Não é como se eu estivesse construindo castelos no ar, mas sou uma sonhadora. Sou uma garota muito romântica que continua sonhando.
-Por que você não tinha composto um álbum inteiro antes?
-Com o My Winter Storm, meu álbum de estréia, eu começei a compor, e foi um bom começo. Me fez compreender que talvez eu pudesse mesmo fazer isso, porque foi um grande passo ao desconhecido. Mas, naquele álbum, havia muitos compositores envolvidos... na verdade, eu dificilmente componho sozinha, eu geralmente componho com o meu guitarrista, que toca pra mim alguns riffs, e isso me dá uma base para escrever. Mas é como abrir uma caixa de Pandora: você tem que cavar bem fundo debaixo da superfície, na sua própria alma, para encontrar o que você realmente sente. E foi isso que fiz com esse álbum. Sinto-me bem ao fazer isso, porque, isso também é um ato de bravura.
-Por que você demorou tanto para dar esse passo ao desconhecido?
-Bom, a banda não permitia. Eu fiquei na banda por 9 anos, e nunca disse “essa é a minha música”, mesmo que eu fosse parte dela. Mas agora, posso dizer que é uma grande diferença. Isso reflete na minha performance, as pessoas me dizem que nunca me viram tão radiante, e é porque eu nunca me senti tão bem. Estou com pessoas que me respeitam, que me apóiam, que querem trabalhar comigo. O sentimento é muito diferente. Tem músicos que estou trabalhando quase que o tempo todo nos últimos 3 anos, e é incrível saber que eu tenho essa oportunidade, e sou muito grata.
-Em outra entrevista, você disse que, em seu primeiro álbum, havia muitas pessoas envolvidas. Seu objetivo agora, com o What Lies Beneath, é dizer “Essa é a minha música”?
-Meu objetivo era dizer, em voz alta, aonde eu queria ir. No primeiro álbum tive que mudar de gravadora, todo mundo era novo para mim, e eu precisava ter um relacionamento pessoal com aquelas pessoas para dar tudo certo, e depois tivemos que achar músicos, mas aí a gravadora me disse “Hum, não, não vamos te deixar você cuidar de tudo sozinha, vamos cuidar de tudo” Tudo era um enorme fardo, principalmente pelo fato de eu ter que começar do zero. Mas foi muito bom ter passado por isso, porque agora eu sei quem eu deveria ser e quem eu não deveria ser, e o selo (gravadora), graças a Deus, me deu liberdade para trabalhar do jeito que eu queria. Agora eles vêem que foi uma decisão sensata, e estão muito felizes com o álbum. Mas você tem que passar por esse tipo de coisa, porque você acaba aprendendo com isso.
-Você teria se sentido segura o suficiente para produzir o primeiro álbum?
-Não, na época eu disse que queria ter alguém para produzir, porque era o meu primeiro álbum. Mas dessa vez eu pensei “Quem vai saber mais das minhas emoções do que eu?” Em geral, a música tem a ver com você lidar com suas emoções, quando você escreve músicas, sendo sozinha ou com alguém, sempre existe emoções envolvidas. E, mesmo com a demo, que só tinha um piano, uma bateria eletrônica e minha voz, eu já sabia qual era a direção que eu queria que as músicas tomassem. A verdade é que, encontrar alguém aquela altura do campeonato, quando tudo já tava feito, e ainda por cima pouquíssimo tempo antes da banda entrar no estúdio, teria sido um erro. Como essa pessoa poderia entender o que eu queria? Isso poderia ter sido muito desgastante. Então, tive que ter certeza que as músicas iriam soar do jeito que eu queria.
-No My Winter Storm você teve a idéia para o título primeiro, e isso fez com que você tivesse idéias para o resto do álbum, um padrão que se repetiu com o What Lies Beneath.
-Eu acho que é o meu jeito de trabalhar. E eu já tenho o título do meu próximo álbum (risos). Acho essencial encontrar um título que inspire as canções, quando eu me decidi pelo título de What Lies Beneath, tudo ficou mais fácil: é um título tão abrangente, que você pode encontrar vários significados. De um lado, como eu sou mergulhadora, posso escrever músicas sobre o que há por debaixo da superfície do globo, e inventar estórias fantásticas, inventar criaturas. Por outro lado, o título pode ter uma observação mais realística, e falar sobre a verdade que existe dentro de nós, ás vezes é difícil ver o que há por debaixo da nossa superfície, a verdade que existe dentro de cada pessoa. Eu queria falar sobre essas coisas de uma maneira poética, porque acho maravilhoso ler letras de outros artistas.
-Você se inspirou em outros compositores como parâmetro?
-Não, mas se teve uma coisa que me inspirou muito, foram os livros do escritor brasileiro Paulo Coelho. Eu adoro a maneira como ele descreve os sonhos, e a importância de se ter um sentimento positivo. Esses livros, para mim, fizeram uma espécie de revolução, que me fizeram entender mais a mim mesma! Fiquei viciada no jeito que ele escreve.
-Mas você sabe que ele não é um escritor muito respeitado...
-Eu sei, eu sei, mas ele também tem uma história dentro do mundo da música muito interessante, já que ele costumava compor com o Raul Seixas, que era um cantor brasileiro bem louco, mas muito interessante. O Paulo Coelho tem uma ligação muito forte com o mundo da música, o que não é algo muito comum entre os escritores. Ele é muito criticado, eu sei, mas então, por que diabos ele vende tanto? Qual é o segredo dele? Para mim, é porque ele escreve de uma maneira muito humana.
-Você escreveu “In For A Kill” como se fosse uma música-tema do James Bond não é?
-Eu me foquei nisso. Eu comecei a me perguntar como seria escrever uma música-tema para um filme de James Bond. Eu estava em Estocolmo, com dois amigos e disse, “Gente, vamos fazer uma música-tema de James Bond!”. Eu já tinha uma estória em mente, uma estória bem triste: é sobre tubarões, e, de novo, o que há debaixo da superfície, mas nesse caso, eu queria explorar esse medo que as pessoas têm dos tubarões, justamente por causa desse conceito equivocado que nós temos sobre esses animais. A verdade, é que, nós é que somos perigosos, e não os tubarões. Essa é que é a verdade. Eu já mergulhei com tubarões, e fiquei cercada por esses belos animais. Mas, todo mundo fica (imitando uma voz assustada), “ Tubarões são assassinos, eles vão me matar”.
-Outra possível interpretação para o tema, que pode ser relacionado ao título do álbum, é que as pessoas muitas vezes se passam por tubarões, e talvez nós as temêssemos, mas na verdade, elas são fraudes, e temê-las é desnecessário.
-Exatamente, esse é outro possível significado. Ainda é muito difícil ser alguém que discorda de alguma coisa da sociedade, levantar a voz para expressar que você discorda de alguma coisa, quando você está cercado por dez caras que concordam com aquilo. É muito difícil para nós entendermos uns aos outros. Na Finlândia, meu país, eu vejo com tristeza que ainda há muito racismo, e que a sociedade não é aberta a estrangeiros. Alguns jovens nunca sequer viram um homem negro andando na rua. Então, como você se sente quando isso acontece pela primeira vez? Quais são seus sentimentos por algo que o nosso país não é muito receptivo?
Os Ídolos da Tarja
-Você gravou “The Good Die Young” para o último álbum do Scorpions, “Sting in the Tail”. Você trabalhou com eles ou foi tudo feito separadamente?
-À distância. O empresário deles entrou em contato com meu marido via email, depois o Klaus Meine me ligou. Tivemos uma ótima conversa, ele queria muito que eu participasse do álbum! Ele até me enviou 2 canções para escolher entre qual das duas eu gostaria de cantar! Eu gravei minhas partes na Finlândia e aqui, mas os produtores me deram instruções sobre o que eles queriam. Primeiro, fiz uma versão que minha voz aparece menos, mas a que está no álbum é a versão que tem mais partes minha cantando.
-No seu álbum, o guitarrista Joe Satriani participa de uma das faixas, e além disso você vai embarcar em uma turnê com Alice Cooper. Acho que, agora você tem tudo o que queria!
Eu não consigo acreditar que Alice Cooper me reconhece como uma verdadeira artista! Tenho certeza que vou me divertir muito nessa turnê! Mas, meu maior sonho, é trabalhar com o meu ídolo, (sussurra) Peter Gabriel. Eu só consegui cumprimentá-lo uma vez, quando estava gravando meu álbum na Irlanda. Depois fiquei sabendo que o Peter Gabriel estava fazendo um show na cidade, então disse à minha banda: “Hoje vamos ter um dia de folga! Preciso ver esse show!” E eu ainda consegui entrar no backstage! Tomei coragem e fui cumprimentá-lo, disse a ele quem eu era, e ele me pediu para enviar um dos meus CDs, e é claro que enviei!
-Você iria querer saber o que o Peter Gabriel acha do seu cd?
-Ah não, acho que seria demais para mim, eu teria um ataque do coração (risos). A mesma coisa aconteceria comigo se fosse o Paul MacCartney. Ele sim é um artista! Mas, de qualquer forma, é muito interessante ouvir pessoas como ele falarem sobre outros artistas.
2010 - A alquimista
- Detalhes
- Entrevistas
- Acessos: 1194