Tarja Turunen, 34

A confiança sofreu um baque.

Tarja Turunen ficou atônita naquele dia em Lyon, França. Depois de um show bem sucedido na noite anterior, ela abriu sua caixa de e-mails e ficou chocada com o que viu.

- Querido, venha aqui! Não posso acreditar! gritei para o Marcelo. E então comecei a chorar- lembra Turunen do dia em que ela recebeu um e-mail de um dos escritores mais famosos do mundo, o autor Paulo Coelho.

Coelho disse em seu e-mail que ele havia escutado a música de Tarja, e queria escrever letras em parceria com ela. O e-mail foi assinado com os dizeres  "De seu maior fã, Paulo Coelho".
- Fiquei espantada como uma estrela mundialmente famosa tem tempo para escrever para uma desconhecida como eu!

Os dois não se encontraram ainda, mas Paulo convidou Tarja e Marcelo para irem a sua casa. Tarja, que é fã dos livros de Paulo Coelho há anos, está esperando ansiosamente essa reunião. Livros como “O Alquimista”, “Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei” e “Vida: Citações Selecionadas” inspirou Tarja a escrever uma letra se perguntando sobre o significado dos momentos da vida para a banda “Outlanders”. Turunen também compôs a música. Os poderes estão agora em um tal equilíbrio que as coisas nascem novas.

- Eu tive uma inspiração maravilhosa para a música.

Turunen é grata por poder escolher seus colaboradores. Os associados da Harus trouxeram Tarja e Marcelo Cabuli de Buenos Aires a Finlândia, onde vivem hoje em dia. Quando a turnê de Natal acabar, e as festas começarem, o casal irá molhar os pés na água morna de Seychelles.

O corpo/ na estrada com as caravanas

“Quando tinha sete anos olhei para o campo da janela do meu quarto. Havia uma casa fantasmagórica neste campo. Haviam também sapatos e livros velhos por lá. O andar de cima desta casa estava tão acabado, que eu não conseguia subir. Quando ficava escuro, e a casa ficava assustadora, eu voltava correndo para casa.

Neste campo eu cultivei a “minha árvore”. Minha mãe dizia que um dia eu ia cair de cabeça no chão de tanto subir naquela árvore. Mas não caí. Eu ficava lá,  escrevendo. Quando eu voltava para casa, tinha os meus bolsos cheios de histórias escritas em papeizinhos de recados.

Eu já era uma artista quando era pequena. Quando a gente recebia visita, eu fazia um show de marionete atrás da TV. Eu tinha três anos quando mostrei o conteúdo do meu guarda-roupa. Eu trocava de roupa cinco vezes ao dia.

Em nossas férias de verão, nossa família viajava em caravanas pela Finlândia. Quando a gente fazia viagens para shows e teatro eu sempre cantava. Nós éramos uma família bem barulhenta, e os nossos gatos e cachorros ouviam nossas músicas.

Eu começei a cantar assim que começei a falar. Enquanto tocava o teclado com um dedo, minha mãe perguntou se eu queria aprender a tocar piano. “Sim”, eu sussurrei. Algum tempo depois ganhei um piano. Hellas – o piano – ainda está vivo, e passa bem em Buenos Aires.


Relacionamentos/ Tarja e os meninos.

Minha infância foi cheia de meninos. Eu tinha dois irmãos, e estudava na menor sala de aula da escola de Puhos, onde eu fui a única menina da classe por seis anos. As meninas mais jovens me atormentavam porque eu era boa aluna. Elas ficavam irritadas  porque eu tocava piano em uma escola onde o diretor era um músico. Em uma cidade pequena como aquela, uma família trocar de carro já era motivo o suficiente para bullying. O bullying me causou problemas estomacais. Eu acabei ficando tímida, e meu estômago doía. Isso ainda acontece.

Com os meninos eu tinha de ser mais forte do que era. Eu me sentia confortável com os amigos do meu irmão, que eram mais velhos do que eu. Conversava muito com eles. Eu cresci além da minha idade com aquela companhia.

As coisas mudaram na escola de arte de Savonlinna. O interesse dos meninos acabou sendo muito positivo para mim depois de todo o sofrimento na escola primária. Aumentou minha auto-confiança. As melhores coisas desta época eram o castelo e a ópera de Olavinlinna; as grandes emoções presentes na música, as histórias sobre morte, amadurecimento e amor. Eu era muito boêmia quando era adolescente, andava usando cortinas e cantava na frente do espelho. "


Relacionamentos/ um santuário para a mãe.

Minha mãe era um exemplo do quanto uma pessoa é capaz de se empenhar para conseguir alguma coisa, e do quanto alguém pode aguentar as maiores dores da vida. Eu tenho muito a aprender neste aspecto. Assim que a minha mãe chegava do trabalho, ela começava a limpar. Quando eu era adolescente,  me perguntava como diabos ela conseguia fazer isso, mas durante os últimos dois anos tenho notado que estou começando a parecer muito com ela neste aspecto. Não importa o quanto esteja cansada, sempre mantenho minha casa limpa e em ordem.

Minha mãe era dona de uma personalidade cintilante, e a sensualidade feminina era algo importante para ela. Ela nunca ia ao mercado sem batom. Eu vou fazer compras no meu estado natural e não acho nada demais!

Quando eu fiz tortas Karelian pela primeira vez em Buenos Aires, pensei na minha mãe. Eu gritei de alegria quando encontrei farinha de centeio em uma loja de produtos naturais. Enquanto eu preparava as tortas, olhei para o pequeno santuário que construí para ela e disse: “Olha só mãe, aqui estou eu! Será que este é o modelo tradicional ou é a minha receita?  Provavelmente é a minha!”

Quando estamos em casa, sempre acendo uma vela no santuário de minha mãe. Descobri que ela estava doente na época em que eu estudava na Academia Sibelius, em Kuopio. Quando ela veio me visitar em Kuopio, ela tirou o casaco. Vi que tinha apenas uma mama. Meu mundo parou, e me senti presa por um poço negro de medo, mas minha mãe disse que eu não tinha nada a temer, que tinha feito a cirurgia, e que agora estava tudo bem.

Minha mãe lutou por cinco anos. No início ela melhorou, mas depois ficou doente novamente. Em seu último mês me mudei para sua casa em North Karelia, para cuidar dela. Ela morreu em 2003, e foi uma grande perda,mas ao mesmo tempo uma grande lição: Se a morte chega amanhã e diz que é a minha vez, eu digo “Então vamos lá”.

Mente/ apoio do marido

Eu sempre busquei a perfeição. Se alguém me pergunta se sou uma perfeccionista, eu digo que acertou em cheio. Eu ainda não confio completamente em mim mesma, então preciso do apoio de alguém. Apoio, não adulação. As coisas ficam melhores se você me disser que, já que trabalhei tão arduamente, então é provável que tudo dê certo.

Meu marido, Marcelo, é muito bom em me apoiar. Ele é um homem que gosta de ver a mulher brilhar. Foi uma sorte enorme ter o Marcelo como nosso produtor sulamericano. Foi ele quem trouxe o Nightwish para um show no Chile pela primeira vez.

Marcelo percebeu que os caras da banda sempre me deixavam sozinha, então ele começou a cuidar de mim. Foi muito bom ter alguém do meu lado.

Nos primeiros três anos vivemos um relacionamento à distância. Nossa, como aquilo era horrível! Aquela choradeira no aeroporto acaba com a gente! Marcelo me pediu em casamento durante a ópera Norma, em Buenos Aires. Foi a coisa mais romântica do mundo.

A América do Sul é um continente de grandes diferenças culturais. Na Argentina, as pessoas são quase tão quietas quanto as da Finlândia, mas no Brasil você escuta as pessoas falarem alto em qualquer lugar. O lugar de uma mulher não é como a gente pensa; a mãe é a chefe da casa, e dá a palavra final nos assuntos relacionados à família. Os homens não são fracos, mas eles valorizam as mulheres acima de tudo.

Mente/ retorno aos tempos do bullying.

Eu conheci Tuomas Holopainen no primário. A mãe dele era minha professora de piano. O Nightwish era o sonho do Tuomas! Nos meus sonhos mais malucos eu imaginava o quanto seria incrível ganhar a vida cantando, mas jamais imaginaria atingir o sucesso mundial aos dezoito anos de idade. Acho que nenhum de nós esperava aquilo.

A música clássica sempre foi a coisa mais importante da minha vida, mas o Nightwish despertou algo de diferente em mim. Mas eu ainda não queria deixar de lado a minha carreira clássica.

As coisas mais difíceis que tive de enfrentar na minha vida aconteceram quando estava prestes a completar trinta anos. Minha mãe havia morrido, e o Nightwish me decepcionou. Ficar desapontada com as pessoas foi pior do que ter sido demitida da banda. O desapontamento me causou uma agitação física e uma tremedeira por várias semanas.

A carta trouxe de volta as lembranças dos tempos de bullying na escola. Eu consegui dar a volta por cima, mas a carta deixou sua marca; agora é difícil para mim confiar nas pessoas. Estou sempre com medo que me interpretem errado.

A mente/ Yin e Yang

Isso pode parecer egoísta, mas neste momento, o meu bem-estar e o do Marcelo são as coisas mais importantes da minha vida. Estamos tão bem juntos, e as pessoas torcem por nós. Nós somos o Yin e Yang um do outro. O Yin é sombrio, negativo, passivo e feminino, já o Yang é brilhoso, positivo, ativo e masculino.

A vida tem seus momentos sombrios, mas a luz está em cada um de nós. Já se passaram seis anos após o Nightwish, e minha energia agora flui livre. Hoje em dia não existe uma “Tarja Metal” e uma “Tarja Clássica”, e sim as duas. Eu gosto de me aventurar nesse mundo musical tão diverso.

As histórias dos fãs são incríveis e comoventes. Uma menina anoréxica melhorou depois que começou a seguir a minha carreira e perceber que, a magia própria de uma mulher e seu poder pessoal são muito mais importantes do que ser magra.

O corpo/ beleza é dor.

Eu nunca tive uma paixão pelo exercício. No colégio eu acordava às sete para correr antes da escola. Depois disso eu não tenho feito muito exercício. Aos trinta, eu acordei para o fato de que eu tinha que começar a fazer algo antes que meu bumbum ficasse maior. Felizmente, as duas horas de exercício suado no palco me ajudam a manter a boa forma.

Nessa idade eu ouço as palavras de minha mãe com mais frequência; "Deus lhe deu o que deu, e você deve ser grata por isso” e “Beleza é dor"  eram os seus ditados favoritos. Eles me vêm à mente enquanto eu desembaraço meu cabelo, ou quando olho para o espelho e me pergunto se uma nova ruga apareceu no meu rosto. Uma ruga! Ás vezes eu reclamo das minhas pernas de Maradonna e rio do fato de que eu, definitivamente, não as herdei da minha mãe.


Tenho trinta e quatro anos agora. Os anos passaram tão rápido, mas eu não tenho tempo para crises de idade. Estive ocupada seguindo os meus sonhos. Eu tenho realizado alguns pequenos sonhos, mas ainda tem muita coisa que eu quero fazer. O meu maior desafio e sonho agora é ter uma família. Se você não fizer disso um problema, percebe que uma criança tem espaço na vida de um casal com um artista. No nosso caso, a nossa família vai ter uma mãe artista, mas felizmente meu marido está pronto para cuidar do bebê. Eu seria uma mãe bem rígida. Eu iria impor limites do mesmo jeito que a minha mãe impôs.

Tradução para o inglês: Afrodite