“Essas coisas que eu fiz antes eu carrego comigo com orgulho”

Tarja Turunen está no balcão de check-in do aeroporto Helsinki-Vantaa. Próximo a ela espera seu marido Marcelo Cabuli. O casal logo estará voando para Buenos Aires passando por Frankfurt, e um vôo de 15 horas não os deixa excitados.
Embora só o pensamento de ter de voar além de muitos fusos horários está deixando-a exausta, Tarja é novamente capaz de parecer mais bonita que nas fotos. Não há sinal da irritabilidade que se apresentava especialmente na frente das câmeras de tv, ela está sorrindo expansivamente. Embora ela tente se esconder atrás de grandes óculos escuros, isso não está realmente funcionando. Uma adolescente que está falando inglês com sotaque alemão chega pra conversar e acaba recendo algumas palavras gentis como prêmio.
Tarja passou apenas um mês na Finlândia. No fim da visita ela se apresentou no teatro sueco, com o musical Spin. Ela conta que além de estar nervosa, ela esqueceu totalmente a letra de uma música por um momento. Ela obviamente foi capaz de omitir o erro, porque no fim só o líder da banda mencionou isso. Mas ainda que Tarja comece a pensar na boa e velha auto-culpa: “Por que eu não estou trabalhando num caixa de supermercado?”.
Essa mulher, que fez 29 anos agosto passado, nunca fez as coisas da maneira mais fácil. A escolha de abandonar seus estudos na Academia Sibelius no fim dos anos 90 e se juntar ao projeto de seu velho amigo Tuomas Holopainen, chamado Nightwish, não foi fácil. Pode se dizer que o fim desse capítulo também não foi fácil: em 21/10/2005 depois do último concerto de uma grande turnê mundial em Helsinque, ela recebeu uma carta onde ela era demitida da banda. Isso desencadeou uma confusão com a mídia nunca vista no rock finlandês, e eles não economizaram palavras quanto a isso. E eles, seguindo velhos costumes, não tentar achar uma solução pra essa briga. Tanto que até hoje Tarja e Tuomas só se falam através da mídia.
Agora que a poeira está começando a abaixar e as vidas estão seguindo. Nightwish está buscando uma nova cantora e gravando demo das canções do Tuomas. O sucessor do Once, que vendeu milhões de copias pelo mundo, está tendo altas expectativas. Tarja assinou um contrato com a Universal da Alemanha.
O termo “pessoa determinada” se encaixa perfeitamente nessa mulher. Ela pos sua cabeça no lugar e se concentrou em coisas que realmente importam. Coisa que algumas cantoras que alcançaram a fama por um golpe de sorte nunca seriam capazes de fazer.
Antes do fim de 2006, na Finlândia mesmo você acharam as qualidades de Tarja Turunen como cantora clássica: há shows no festival de ópera de Savonlinna e na semana Lahti’s organ. E no fim desse ano Tarja canta em sua turnê do Breath From Heaven no Helsinki´s Kulttuuritalo, Tampere-talo e no Lahti´s Sibeliustalo. O programa é o mesmo do álbum de natal.

Quando o avião decolar do Helsinki-Vantaa, você vai pra casa ou está saindo de casa?
- Eu estou saindo de casa. Minha casa em Kusankoski. É um lugar muito calmo e silencioso. E nós, eu e Marcelo, estamos muito bem lá. Eu gosto de Buenos Aires também, mas lá é uma grande cidade com milhões de pessoas e eu não sinto que faço parte disso.

Você é capaz de viver na paz de Kusankoski?
- Claro que quando se mora em uma cidade tão pequena, todos sabem onde você mora. E vêm conversar frequentemente e não te incomodam. No meu bairro alguns senhores até tiram seus chapéus pra mim. É até divertido. Acredito que esse “paper catastrophe” (eu não sei o que é isso) mudará as paisagens lá. Embora haja essa comunidade um pouco grande onde vivem em torno de 100.000 pessoas.

Alguns verões atrás quando estávamos conversando sobre o Suomi soi-book, você me disse que é a única cantora profissional na sua família. Recentemente seu irmão também seguiu esse caminho.
- Sim, o Timo (Teo agora) tomou coragem pra fazer alguns shows com sua banda e então quando ele fez algum material voltado pro rock eu o inspirei a gravá-lo. Eu estou nesse álbum como produtora e opinião técnica (?). Nós também gravamos um dueto. E hoje em dia meu irmão mais novo canta também: ele é um tenor muito forte. Em outras palavras somos cantores bem diferentes. Talvez devêssemos fazer um single juntos, só de brincadeira.

Você ainda mantém boas relações embora passe muito tempo fora da Finlândia?
- nós, irmã e irmãos, sempre tivemos uma relação muito próxima, às vezes nós até ligamos uns para os outros todos os dias. E também como única filha eu sempre mantive contato com minha casa. A morte da minha mãe foi muito dura pra mim, e uma grande perda, e com isso minha saudade de causa mudou. Eu tenho estado viajando muito em pouco tempo esse ano, e isso sempre me mantém longe do norte da Carelia. Então eu sinto muita falta da minha família dos outros e até da natureza. Geralmente acontece que quando eu estou na Finlândia, meus irmãos vem até a minha casa e ficam por um longo tempo. Nós fazemos comida e passamos muito tempo juntos. Isso é importante pra mim.
- Meu pai também nos visitou em Buenos Aires uma vez. Bem quando nós íamos do aeroporto pra casa houve uma grande batida de carro. Essa viagem foi um tanto chocante pra ele, mas agora ele sabe como é meu outro lar. E sabe também como é minha outra família. Embora haja a barreira da língua. Infelizmente.

Quão bem você consegue falar espanhol no momento?
- Muito bem. Eu vou sobrevivendo. Primeiro eu dependi do Marcelo por muitos anos. Era irritante. E eu ainda sou tímida. Eu aprendi o básico do espanhol na Alemanha quando eu estudei em Karlsruhe. Eu fui pra Espanha cursar no Volkshochschule. E desde então eu tenho apenas praticado a conversação.

Você achou uma professora de canto boa de verdade em Buenos Aires?
- Sim, de fato! Lá minha professora é maravilhosa e é uma veterana na opera, Marta Blanco, que agora fez 30 anos de carreira. Uma pessoa totalmente maravilhosa.

Você algum dia voltará pra Finlândia pra terminar seus estudos na Academia Sibelius?
- Não. E eles também sabem que Tarja nunca se tornou uma cantora (no sentido de ser uma cantora clássica, que é diferente de singer, que seria uma cantora normal, ao menos foi isso que eu entendi). E isso não me incomoda. Nos primeiros anos lá eu criei uma boa base nos estudos que me deu a certeza de seguir com a carreira de cantora. E os professores eram pessoas muito boas e maravilhosas.

Que sonhos você tem agora?
- O principal claro é que eu tenha saúde e seja capaz de continuar esses trabalhos em todos os aspectos. Um grande sonho que se tornou realidade foi meu contrato de gravação. Eu tenho me sentido muito bem em trabalhar com a Universal da Alemanha. Eles falam a mesma língua que eu e me entendem como artista.
- Nós começamos a buscar novas canções, mas esse processo ainda está no começo. Porque eu não tenho experiência como escritora, e eu acredito que não farei qualquer coisa além de textos para esse álbum. É como eu me sinto nesse momento. Nós estamos buscando por uma nova sonoridade com esse álbum, e claro isso será um tipo de projeto crossover. Nesse momento eu sinto que haverá muita atmosfera calma de pianos e por outro lado muito heavy metal. E por fim estamos tentando reunir uma banda equilibrada. Nós veremos então. O álbum será lançado em algum tempo de 2007.
- E então você pode sonhar com isso… o relógio natural da vida, e eu não estou falando de ter filhos. Ainda não está na minha hora. E seria ótimo se eu não tivesse de correr de um lado pro outro todo o tempo. Pode levar uns dez anos antes que esse sonho se realize.

Quais sonhos já se tornaram realidade?
- Primeiro claro, eu penso no status que eu alcancei como cantora na Finlândia e até mesmo no resto do mundo. O trabalho com o Nightwish e as conquistas no mundo clássico têm sido coisas maravilhosas.

Se o Evankeliumi, seis anos atrás, tivesse sido sua única experiência no rock, você estaria agora competindo em shows com Helena Juntunen, Johanna Rusanen e nossas outras jovens estrelas da opera internacional?
- É difícil dizer. Se eu não me tornasse a cantora do Nightwish eu provavelmente teria me tornado esse tipo de cantora. Por outro lado, o amor pela musica clássica sempre foi tão forte que provavelmente eu seria uma dessas cantoras competindo com as outras e finalmente achando um trabalho em outro país. Porque esse é o destino de muitas cantoras na pequena Finlândia.
- Mas nesse momento eu não posso me chamar de cantora clássica, nem mesmo cantora de ópera. Seria errado com os verdadeiros mestres nessa área. Porque o nível deles é muito alto. Tanto das cantoras quanto dos músicos. Eu vi isso bem nos meus anos na Alemanha. Há pessoas muito talentosas vindas da Sibelius.

Você já se apresentou para milhares de pessoas com o Nightwish, você prefere concertos em igrejas ou em outros eventos menores?
- Bem, estamos falando de coisas completamente diferentes. Você pode me ver mexer meu mindinho apontando em direção a lugares menores. Lugares menores me deixam nervosa de forma totalmente diferente que os grandes. Em minha carreira houve poucos momentos em que eu não me senti tensa. E isso me preocupa. Uma vez tivemos tantos shows com o Nightwish, um atrás do outro que de alguma forma eu fiquei preguiçosa de tanta tensão. Eu precisei pedir pros caras me darem uns sustos [risos]. Eles começaram a falar de algo errado com os microfones de ouvido, sobre a bateria [não o instrumento] e os microfones estarem quebrados ou algo do tipo. E então eu fiquei tensa. Lá estava eu feliz de novo.

Kitee é um lugar pequeno, você era da mesma turma do Tuomas, você conhece os pais ou família dele ou de algum outro membro da banda, ou você esta banida do convívio com eles?
- Eu não sei se de alguma forma eu estaria… banida. Mas nós também nunca estivemos em contato. Eu conheço os pais, as irmãs, os irmãos e alguns parentes mais próximos do Tuomas. Sua mãe, Kirsti, foi minha segunda professora de piano.

Um velho ditado diz: “sofrimento enobrece” (foi isso que eu entendi). Há alguma verdade nisso?
- Eu posso dizer que, parece que eu me considero mais fraca do que eu realmente sou. Porque eu sobrevivi ao golpe muito bem. E eu percebi que eu mantive os pés no chão apesar de toda a fama. Mas eu tenho vivido tempos muito importantes de auto-descobertas. O apoio dos meus entes queridos é o poder de continuar em que eu posso confiar.
- Eu não estou tentando subestimar essa questão. Foi muito difícil. E de alguma forma ainda é. Ao menos eu posso aplicar uma outra frase aqui, que é: “O que não mata, te fortalece”. Mas eu percebi uma coisa, hoje em dia eu tomo mais cuidado com as pessoas que antes.

Como o Marcelo te conquistou?
- Simplesmente estando ao meu lado e me ouvindo. E dando tempo as minhas necessidades. E eu definitivamente não sou o tipo de pessoa que grita em todos os lugares: “atenção, atenção, eu estou aqui agora!”. Mas no momento que eu precisei que alguém estivesse lá, Marcelo estava. Observando e estando ao meu lado foi provavelmente a coisa que me encantou nele.

Que coisas você percebeu que vieram de diferentes culturas?
- Nós realmente nunca tivemos um choque cultural. E eu sou muito grata por isso. Eu tenho certeza que no começo muitos amigos acharam que não ia durar. “Oh, essa Tarja ta fora de si. Casar com um homem da Argentina.” E claro houve os momentos emocionantes. Primeiro em casa eu não ousei contar toda a verdade a minha mãe.
- Mas dessa forma nós tivemos papeis totalmente diferentes. Na minha família eu sou aquela que tem o temperamento mais forte. Marcelo é um homem muito tranqüilo. Absolutamente não um temperamento furioso latino que reagiria a qualquer assunto. Embora eles façam algumas coisas de forma totalmente diferente na cultura latina, mas nós não brigamos. Uma coisa que certamente ajuda é que Marcelo já viajou o mundo todo e já viveu muita coisa em sua vida. E ele está acostumado a vida irregular dos músicos. Embora tenhamos nascido em terras longes uma da outra, nós ainda nos completamos muito bem. Eu gosto daí e ele gosta daqui. Nós não conseguimos brigar nem por comida. Marcelo gosta muito da comida finlandesa.

Qual é a coisa mais importante na sua vida nesse momento?
- O sol! [pausa] É maravilhoso quando chega o verão de novo e eu posso acordar com a luz do sol. Quando eu penso um pouco mais, família e amor são mais importantes e pensamento positivo. E também é importante lembrar que embora coisas pequenas pareçam irritantes há pessoas que tem problemas bem maiores que os meus.

Qual foi a última coisa que você fez na prática pra fazer o mundo um lugar um pouco melhor?
- Eu acabei de começar a cooperar com a Unicef. Esse ano eles comemoram 60 anos e aqui na Finlândia eles vão fazer um grande concerto. Será em novembro em Espoo com o coral de Tapiola.
- E por alguma razão eu me tornei uma fã ávida de futebol. Eu planejo no verão viajar incentivando os jovens jogadores finlandeses. Seria natural participar nesse assunto dessa forma.
- Uma coisa um pouco menor é escrever colunas para o jornal Karjalainen. Às vezes é um trabalho muito duro, mas por eu ter aceitado esse desafio eu o terminarei como prometido. Não é como uma coluna de verdade com opiniões, eu apenas falo de tudo, as coisas diárias entre o céu e a terra. Embora eu tenha comentado uns assuntos sobre Kusankoski. Minha atitude é tentar ser um ser humano normal que claro tem opiniões diferentes sobre tudo.

Você já foi chamada pra política local?
- Nem mesmo tentei. Eu não tenho interesse por política. Isso está longe de ser possível. Quando eu tinha vinte anos, alguns partidos norte-carelianos pediram que eu me juntasse a eles. Mas não, não, de jeito nenhum.

Quando eu cheguei aqui eu ouvi o Tag und Nacht do alemão Schiller. E isso está um pouco distante pelo que você é conhecida. Você recebe muitas ofertas como essas?
- Sim, muitas. Quase todo dia, na verdade. E elas são todas muito diferentes. Algumas delas parecem ser muito simpáticas, outras são insanas. A escala vai de jovens bandas a grandes projetos. Já me chamaram pra cantar em demos e participar de grandes projetos musicais. É bom perceber que as pessoas ainda estão interessadas e querem me contratar.

Seu calendário está totalmente lotado por alguns anos?
- Meu calendário está moderadamente cheio. Porque eu não quero me matar de trabalhar. Eu sei que esse ano eu posso evitar o burn-out (eu acho que quer dizer excesso), quer dizer que eu tenho trabalho moderado pra fazer. Enquanto isso eu tenho de estudar e me aprimorar. Então talvez eu considerasse essas óperas e musicais. Eu acho que esses grandes desafios ainda estão por vir.
- E mesmo alguns anos atrás eu sabia que um ano eu teria que me focar nessas coisas de música clássica. Então dessa forma, meus planos estão sendo como eu imaginei. Na Finlândia eu sou um pouco desconhecida como cantora clássica. Então, vai ser um salto na escuridão com esses concertos de natal.

Onde você estará daqui a cinco anos?
- Eu espero que meu próprio álbum tenha me aberto portas para a minha própria carreira rock (?). E que eu tivesse bastante trabalho e bastante energia pra realizá-los. Mas eu não vivo de sonhos. É em vão.
- Eu vi muito nesse tempo como artista. Agora há esse desafio e eu não farei mais parte de um grupo, eu estou totalmente por minha conta.