As coisas sempre aconteceram de forma inesperada para a finlandesa Tarja (leia-se “Taria”). Há 11 anos era só uma soprano quando foi convidada por um colega de classe para cantar numa banda de... Heavy metal. Ela topou, entrou de cabeça num mundo que não lhe era familiar, e, nove anos mais tarde, se transformou no abre alas do Nightwish, banda que conquistou sucesso mundial misturando o improvável: heavy metal com guitarras, sim, mas recheado de teclados e vocalizações eruditas que só Tarja Turunen poderia oferecer.
Quando tudo parecia perfeito, a bomba. Tarja foi demitida em praça pública através de um post na Internet. O motivo, grosso modo, era que o sucesso havia transformado a doce Tarja numa pessoa arrogante e blá blá blá. Não que a cantora não tivesse pensado num vôo solo antes, mas foi pega com as calças na mão. Com uma mão na frente e outra atrás, ela não teve alternativa senão seguir em frente. Prestigiada, assinou um contrato com a gigante Universal (a mesma gravadora que distribui o Nightwish no Brasil) e foi à luta para montar uma banda e fazer um disco, sem nunca ter composto uma música sequer.
E valeu a pena não desistir. Nessa entrevista uma Tarja Turunen empolgadíssima conta como reuniu os músicos que participaram de “My Winter Storm”, o disco de estréia que acaba de chegar às lojas; da expectativa pela nova turnê – que já deve estar rolando e passa esse ano pelo Brasil; das rusgas com sua ex-banda e da boa vontade em manter as relações com o passado, e, quem sabe, com o futuro. Confira:
Rock em Geral: Como você está se sentindo no começo de uma nova fase de sua carreira? É bom ser um artista solo?
Tarja Turunen: Eu estou muito feliz e ansiosa sobre o que vai acontecer e o que tem acontecido. Pude contar com excelentes músicos, pessoas muito talentosas. Letristas e compositores têm me ajudado a compor músicas eu mesma. Estou realmente animada, mas tenho que te dizer, para ser honesta, que eu tenho que ir devagar, dar passinhos de criança, é o começo de algo totalmente novo em minha vida. Vamos ver o que vai acontecer comigo!
REG: Como você reuniu esses músicos, como os encontrou e montou a banda?
Tarja: O processo de planejamento durou um ano para o álbum, porque eu precisava fazer isso de uma maneira bem cuidadosa. Havia muitas coisas com que se preocupar, para mim, para a gravadora... E eu sabia que eu não tinha um exemplo na minha mão para mostrar para todas as pessoas o que eu estava procurando. Não tinha como pegar um disco e eu dizer: quero fazer algo como isso, faça, por favor! Eu sabia que precisaria ajuda de um produtor, eu não teria condições de organizar tudo sozinha, contatar todos os envolvidos, tomar conta de todas as coisas, os negócios e tudo mais. Eu definitivamente vi que precisava de ajuda. Daniel Presley (produtor) foi apresentado através da gravadora, nos encontramos algumas vezes, ele veio ver meu concerto de Natal, foi muito interessado o tempo todo por mim, pela minha música, pela minha personalidade, interessado em mim como artista. Isso também me ajudou a entender que precisávamos passar muito tempo juntos. Não é o tipo de produtor que não se preocupa com o artista. A minha missão era fazer o álbum e eu tinha que ter alguém para me ajudar e fazer isso parecer claro para todos.
REG: No fim das contas o que você achou do disco?
Tarja: Eu estou muito feliz com ele! Foi um esforço muito grande, todo o processo. A produção começou em julho e terminou no início de setembro, as coisas foram gravadas muito rapidamente. Eu estou tão feliz porque a missão que eu tinha desde o começo está bem aqui no álbum que eu estou segurando na minha mão. Eu tenho que ficar orgulhosa de mim mesmo, mas também de todo o processo e todas as pessoas envolvidas.
REG: Você parece bem empolgada...
Tarja: Eu estou, estou muito empolgada!
REG: Como foi a composição das músicas do disco, já que no Nightwish você não fazia isso?
Tarja: Tem oito músicas que eu co-escrevi as letras com outras pessoas, e uma música chamada “Oasis” é completamente minha, é a única música no disco que tem letra em finlandês. É o começo para mim nesse mundo, eu quase não compunha músicas antes, só fazia algumas colaborações, criava umas melodias, uns trechos de letras para outros artistas. Isso é uma coisa nova e eu estou muito empolgada por ter sido ajudada por esses professores extraordinários, e agora já tenho até algumas idéias para o próximo álbum. Isso é maravilhoso.
REG: Como você se vê como uma compositora, não somente como uma cantora?
Tarja: Oh, meu Deus! Estou bem deprimida (risos), tudo que vem de mim é melancólico... Há algo - eu sei lá -, todo mundo estava se divertindo durante a feitura do álbum, eu sou uma pessoa bem humorada, que se diverte muito, sempre converso com as pessoas me divertindo com elas, sempre passo bons momentos. Mas a música que eu faço é sempre tão melancólica... Eu penso: que diabos acontece? Eu não sei, mas de alguma forma é fácil para mim fazer músicas que são tristes... É mais fácil do que fazer músicas alegrinhas. Mesmo em “Ciarán’s Well”, que é uma música mais pesada, mas metal, tem uma melodia minha um pouco louca, mas ainda assim é dark, sinistra...
REG: Antes de deixar o Nightwish você já tinha seus trabalhos paralelos. Esse disco está mais para esse lado ou mais parecido com o metal feito pelo Nightwish?
Tarja: Esse é um disco que me representa, definitivamente, como artista. Tem coisas que eu vinha fazendo já há tempos, mas também um salto em coisas que as pessoas ainda não ouviram de mim. Esse é o som de um som cinematográfico, que você pode ouvir e sentir, ver uma atmosfera em todo o álbum. É o meu passado. Eu espero que possa ser de alguma forma o futuro para mim, que eu possa pode explorar isso mais, nessa direção. Porque agora, pela primeira vez eu tive a chance de realmente trabalhar com pessoas que fazem trilhas sonoras e isso aconteceu em Los Angeles, no Control Studios. Eu tive uma conexão com eles, e clima foi bom, a vibe foi boa, e eu vou poder trabalhar com eles no futuro também, o que me faz muito feliz. Quando você ouve o disco, vê similaridades entre coisas que eu tenho feito. Há elementos do heavy metal, há guitarras em algumas músicas que fazem delas músicas bem pesadas, mas principalmente é um disco mais dark e quieto, um disco muito calmo.
REG: Você pretende ampliar o seu público na carreira solo, saindo dos fãs do Nightwish e do metal? Você pensa sobre isso quando faz uma música?
Tarja: Não, realmente não, nunca esse tipo de coisa vem a minha cabeça porque, de outra forma, a coisa seria catastrófica. Se eu ficasse pensando: eu preciso satisfazer essa ou aquela pessoa... É o jeito que eu tenho vivido por tanto tempo, não importa o que eu fizer, sempre haverá alguém que vai dizer: eu odeio o que você faz. E sempre haverá quem diga: oh, meu Deus, isso é fantástico, eu te amo! Faz parte dessa coisa de ser um artista, você nunca consegue satisfazer a todos. Esse tipo de coisa nem passou pela minha cabeça enquanto eu trabalhava no disco. Senão eu iria pirar.
REG: Você já testou as músicas ao vivo?
Tarja: Não, isso vai acontecer em algumas semanas... Eu não acredito, o primeiro show é no dia 26 de novembro! (a entrevista foi feita em outubro de 2007)
REG: Você está ansiosa?
Tarja: Sim, estou, temos duas semanas para ensaiar com a banda...
REG: Quem vai tocar na turnê?
Tarja: Doug Wimbish tocou baixo no disco e vai tocar comigo, ele é excelente, espantoso. Alexx Scholpp vai tocar guitarra, Mike Terrana na bateria, e haverá dois violoncelistas, um que foi de uma formação bem inicial do Apocalyptica, Max Silja, e o outro é Markus Hohti, que toca em concertos de música clássica. Nos teclados será uma garota da Finlândia, Maria Ilmoniemi.
REG: Ë uma verdadeira big band...
Tarja: Não uma big band, mas uma banda grande. Há muitas pessoas envolvidas, um grupo de músicos muito bom, eu realmente estou animada em como tudo vai funcionar, então preciso ver. A turnê mundial começa no ano que vem, em abril, e definitivamente vai passar pelo Brasil...
REG: Sobre o cover para “Poison”, do Alice Cooper...
Tarja: Foi uma coincidência engraçada, um acidente isso ter acontecido. Eu estava dirigindo meu carro e tinha um caminho longo a seguir, era primavera, abril, maio ou algo assim, era uma época em que eu estava pensando em fazer um cover para colocar no disco. Eu conversava com meus amigos, trocava idéias com o pessoal da gravadora, e nenhum de nós conseguia encontrar a música perfeita pra fazer o cover. Nesse momento em que eu dirigia o meu carro, sozinha, eu estava ouvindo uma rádio rock, e tocaram umas seis vezes “Poison”, do Alice Cooper, nesse trajeto, em um único dia. E isso me pegou, eu disse: é essa! Essa é a música que me faz lembrar meus tempos de adolescente, é uma música que eu não conheço nenhuma versão cantada por uma mulher. É uma música esquisita para uma mulher cantar, porque a letra é para homem. Mas o mais difícil em gravar foi fazer soar como o som do disco, e também ganhar a minha cara. Mas tudo ficou claro no final do processo de gravação, então estou muito feliz de ter conseguido fazer isso, é uma música muito legal.
REG: Sobre os shows, você já tem um repertório definido?
Tarja: Sim, eu tenho... Mas não conto! Claro que o show vai ser todo baseado no “My Winter Storm”, a música “My Winter Storm” está dentro, definitivamente “Poison” também será tocada, e também algumas músicas do Nightwish, provavelmente aquelas que ninguém nunca ouviu ao vivo.
REG: Você pode tocar qualquer música do Nightwish ou há algum impedimento legal?
Tarja: Lógico, não problemas quanto a isso. E eu não vejo nenhuma razão para não tocar músicas do Nightwish. A música do Nightwish e a própria banda foram parte de mim por muitos anos, eu estive junto da banda esse tempo todo, então não vejo nenhuma razão para não tocar essas músicas.
REG: Você chegou a pensar numa carreira solo antes de toda aquela confusão que resultou na sua saída do Nightwish?
Tarja: Ah, sim. E eu contei à banda da minha decisão, foi no final 2004. Eu me encontrei com todo mundo e disse: ok, rapazes, sei que vocês todos estão envolvidos, mas eu tomei a decisão de fazer um trabalho solo, depois do próximo disco, a próxima turnê e tudo mais. Mas eu gostaria também informar as pessoas sobre minha decisão e eles não quiserem que eu colocasse isso a público. E então, de repente... Eu tive que pensar em minha carreira solo antes do que eu esperava.
REG: Parecia óbvio que um dia você deixaria o Nightwish...
Tarja: Eu estava considerando o início e uma carreira solo depois de um novo álbum do Nightwish, já tinha planos para isso, mas eu não pude levar isso a público. Desde que eu me comprometi com a banda de não falar isso, tive que ficar quieta. Mas agora... Música nunca foi o problema, os shows eram fantásticos, tenho muitas boas lembranças desses anos e sou muito orgulhosa do trabalho que fiz.
REG: Você era fã e metal antes de entrar para o Nightwish ou conheceu esse mundo depois de entrar para a banda?
Tarja: Esse mundo veio para a minha vida através do Nightwish, definitivamente.
REG: Foi difícil assimilar que você estava fora da banda através de um post no site?
Tarja: Foi realmente pesado, eu tenho que te dizer que foi como uma bomba na minha vida, eu nunca esperava que esse tipo de coisa iria acontecer. Eu ainda não entendo esse tipo de coisa, mas vejo com uma página que eu virei na minha vida, e entendi que as pessoas... Há muitas pessoas que têm um lugar para mim nos corações delas. Tem sido um bom sentimento, muito positivo, o que eu tenho guardado de todos esses anos com o Nightwish, fazendo música com eles, foi uma experiência extraordinária.
REG: Você já voltou a falar com eles depois disso tudo?
Tarja: Não, não estamos em contato.
REG: Você não quer ter esse contato?
Tarja: Não é tão fácil assim...
REG: Você escutou o novo disco do Nightwish?
Tarja: Só algumas músicas...
REG: E o que achou delas?
Tarja: Como eu te disse antes, a música sempre foi boa, e continua assim.
REG: Parece óbvio que um dia o Nightwish vai fazer uma turnê de reunião, você já pensou nisso?
Tarja: Se você me perguntar sobre isso agora vou te responder que não penso nisso. Nesse momento estou com minha carreira começando, se desenvolvendo, muito concentrada nela. Mas você sabe, estou com minhas portas abertas para esse tipo de coisa.
REG: Você sabe que sempre irão fazer comparações entre a sua carreira e a do Nightwish, isso te incomoda?
Tarja: Eu não posso entrar nessa de competição, porque seria uma loucura total, estamos falando de música. É o mesmo se estivéssemos falando de comida. Eu gosto dessa torta? Ou eu não gosto dessa torta? Como te disse, como artista você nunca consegue satisfazer a todos, todo ouvinte. Então há pessoas que vão odiar meu disco e amar o disco novo do Nightwish, gente que vai odiar o disco do Nightwish e amar o meu disco, ou gente que vai amar ou odiar os dois! Essas são as opções! E falando da realidade que estamos vivendo, você não pode fazer comparações entre coisas diferentes, diferentes tipos de discos, tipos diferentes de música. As mesmas pessoas estão envolvidas nisso, mas musicalmente é tudo diferente agora.
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