Eles foram certamente a maior revelação musical de 1999. Graças ao estrondoso - e merecido - sucesso do álbum Oceanborn mundo afora, o Nightwish tornou-se uma das mais faladas e reverenciadas bandas de heavy metal da atualidade. Lançando mão de uma mistura musical pra lá de original de guitarras melodiosas, teclados clássicos, cozinha pesada e uma cantora de dotes fenomenais, o grupo finlandês tornou-se um dos grandes nomes do rock pesado em tempo ínfimo, arrebanhando fãs apaixonados nos quatro cantos do mundo heavy. E não demorou muito para que o quinteto percebesse que estava exatamente em sua genial vocalista seu maior diferencial (dentre tantos). Chamada Tarja Turunen, a cantora não só enriqueceu o som do Nightwish com um approach praticamente inexistente no metal como trambém mostrou naquele CD ser a voz feminina definitiva dos anos 90, deixando para trás todas as outras que inundaram a cena nesta década.

O novo álbum do Nightwish, Wishmaster, prova que, ao contrário do que deveria rezar a crença popular, Oceanborn, pôde, sim, ter um sucessor à altura, Ainda praticando sua singular e inominável fusão de metal melódico com doom metal e passagens sinfônicas, o grupo produziu um disco menos imediatista, mas que, após repetidas audições, mostra-se não menos que magistral. Suas onze faixas (doze na versão brasileira) são um deleite para os ouvidos e neles Tarja, Holopainen (teclados), Emppu Vuorinen (guitarras), Jukka Nevalainen (bateria) e Sami Vänskä (baixo) demonstram estar caminhando a passos largos em direção ao estrelato definitivo - e, novamente, mais do que merecido. A boa notícia é que nós, brasileiros, seremos um dos primeiros a conferir o novo patamar do grupo ao vivo, já que ele se apresenta por aqui em julho próximo.

Para falar sobre tudo isso, ligamos numa terça-feira de manhã para a casa de Tarja Turunen. Extremamente simpática (agradeceu nosso interesse em entrevistá-la diversas vezes), modesta (atribui todo o sucesso da banda ao tecladista Tuomas) e bem humorada (ri o tempo todo), a cantora tem uma voz tão suave quando fala que é difícil acreditar que se trata da mesma pessoa que nos CDs do Nightwish solta aquele vozeirão! Não gosta muito de metal e, para quem não sabe, é casada. Mas, va lá, ninguém pode ser perfeito, né?

Confira a entrevista:

Revista Rock Brigade: Oceanborn foi um sucesso estrondoso em todo o mundo, tanto em termos de público quanto entre a mídia especializada. Vocês esperavam que o disco fosse ser tão bem recebido?

Tarja Turunen: Não, de jeito nenhum. Na verdade, não tinhamos qualquer expectativa sobre o disco, muito menos que ele seria o sucesso que foi. A maior razão para isso foi que, apesar de ser nosso segundo álbum oficial, ele foi nosso primeiro real, já que Angels Fall First era uma demo que acabou sendo prensada em CD. Por isso tudo, não tinhamos qualquer pensamento no sentido de esperar que teríamos tanto sucesso com Oceanborn. Mas acabou sendo algo realmente enorme para nós. Ainda somos uma banda extremamente jovem, por isso, temos que manter os pés no chão, já que não temos uma carreira estabilizada por enquanto. Há muito trabalho a ser feito, definitivamente há.


Revista Rock Brigade: Devido a esse enorme sucesso de que Oceanborn usufruiu, como foi lidar com a pressão de se fazer um álbum novo - no caso, Wishmaster - que fosse tão bom e tão bem sucedido quanto ele?

Tarja Turunen: Eu falei bastante com Tuomas sobre Wishmaster e ele sempre me dizia que este álbum é a seqüência natural de Oceanborn. Foi um processo de maturação totalmente natural termos chegado ao ponto em que estamos em Wishmaster. É claro que houve bastante pressão sobre nossos ombros, mas as gravações foram bastante sossegadas, tudo aconteceu normalmente. Como sempre, fizemos todos os arranjos no estúdio e posso dizer que não houve interferência alguma dessa pressão sobre o trabalho. É claro que todos nós progredimos, eu como cantora e eles [o resto da banda] como músicos. Por isso, acredito que esta pressão teve um efeito positivo sobre nós.


Revista Rock Brigade: Na minha opinião, Wishmaster é um disco mais difícil que Oceanborn. Quer dizer, Oceanborn é um álbum que você gosta já na primeira ouvida, enquanto Wishmaster requer repetidas audições para que seja totalmente apreciado, talvez por ser mais complexo musicalmente. Você concorda?

Tarja Turunen: [rindo] Desculpe, mas não concordo, não [risos]. Para mim é o contrário, acho Wishmaster um trabalho bem mais simples do que Oceanborn, pois as músicas são mais diretas, temos linhas harmônicas mais retas nas novas canções. Se tivesse que apontar uma diferença básica entre os dois CDs, eu diria que ela reside no fato de, desta vez, termos direcionado todas as músicas para as minhas linhas vocais. Tuomas disse que, a partir de agora, nosso trabalho deve ser totalmente concentrado em mim, ou melhor, na minha voz. Por causa disso, neste novo CD, ele preocupou-se em escrever músicas que utilizassem todo alcance da minha voz, desde os tons mais graves até os mais agudos. Em Oceanborn, era quase tudo voltado para os tons mais altos. Também tivemos a preocupação de usar temas mais cotidianos nas letras e não falar tanto de fantasias como em Oceanborn. É claro que vocês podem encontrar letras fantásticas em Wishmaster também, mas de um ponto de vista diferente, mais "vida real".


Revista Rock Brigade: É realmente gritante o fato de a sua voz ter-se tornado o centro das atenções no Nightwish em Wishmaster. Você acha que os seus vocais são de fato o grande diferencial da banda?

Tarja Turunen: [pensa um pouco] Um dia desses, me disseram pra mim que minha voz não é exatamente a voz de uma soprano, embora eu acho que seja [risos]. Mas, de todo modo, eu sou uma cantora clássica e aprendi a postar minha voz de uma certa maneira, que não é a maneira usual em bandas de rock. Além disso, agora eu sei o que quero fazer com minha voz, como quero usá-la. Se você pegar músicas como Dead Boy's Poem ou Come Cover Me, vai ver que eu não uso toda a potência da minha voz, eu as canto de uma forma bem mais suave. Quando nós começamos a tocar juntos como Nightwish, ninguém pensava que eu era o elemento-chave, eu mesmo não pensava nisso, de jeito nenhum. Eu era somente mais uma integrante. [Solta um riso tímido] Mas agora as coisas mudaram. Mesmo porque sou eu quem fica lá no meio do palco, sou eu quem tem que se comunicar com a platéia, o que é uma grande pressão pra mim [ri]. Pode ter certeza que é mesmo.


Revista Rock Brigade: Essa situação é cômoda ou você preferia não estar tanto assim no centro das atenções?

Tarja Turunen: Não, eu amo ser o centro das atenções [risos]. Eu adoro estar no palco, adoro estar com as pessoas, conhecer as pessoas. De verdade, não estou falando isso apenas por falar. Estar em cima de um palco tornou-se algo já natural pra mim, pois já participei de muitos concertos. Quer dizer, estou ainda participando e talvez participe de muitos mais no futuro, mas o que eu quero dizer é que a música tornou-se o amor da minha vida. E eu aproveito cada minuto disso.


Revista Rock Brigade: Desta vez, me parece que há um esforço para se fazer do Nightwish uma banda com uma imagem mais sexy. Há aquela foto da garota nua no encarte de Wishmaster e mesmo você está com um 'look' mais sexy nas fotos promocionais do álbum. Há realmente um esforço neste sentido?

Tarja Turunen: [rindo muito timidamente] Ah, não pergunta isso pra mim não. O Tuomas é quem deve responder isso. Eu já ouvi alguns comentários deste tipo e acredito que o próprio Tuomas considera Wishmaster um trabalho mais sexy do que Oceanborn. Eu não sei, talvez isso tenha ocorrido porque Tuomas escreveu algumas letras bem pessoais sobre sua vida. [rindo outra vez] Ah, eu não sei, mas acho que se você ler as letras pode achar a explicação para o fato de a banda estar mais sexy agora.


Revista Rock Brigade: OK, mas eu não me refiro somente à parte musical, mas também à parte visual propriamente dita. Como eu disse, há a garota nua no encarte e as suas fotos, que são boas pistas.

Tarja Turunen: Eu nunca pensei muito sobre isso. Na verdade eu ainda nem vi o encarte do disco [risos], mas eu sei que há esta foto a que você está se referindo. De qualquer maneira, é claro que, devido ao fato de eu ser a única mulher na banda, talvez as pessoas pensem que eu seja a única pessoa sexy nela. Mas eu não concordo com isso. Aliás, também não acho muito importante haver essa associação entre a minha imagem e coisas mais sexy.


Revista Rock Brigade: OK, você escapou [risos], Musicalmente, você considera que Wishmaster é o melhor trabalho da carreira do Nightwish?

Tarja Turunen: Sim. Acredito que tenhamos progredido bastante como músicos e, além disso, este disco é muito mais sinfônico do que power metal, o que me agrada. É claro que você pode ouvir algo como aquela música... Como é mesmo o nome ? Crownless. Eu não gosto desta canção, não mesmo [risos]. Mas ela é definitivamente uma música power metal. Só que ela é a única e Tuomas já me disse que não irá mais fazer nenhuma canção nesses moldes no futuro. Seremos cada vez mais sinfônicos e, como neste é o nosso disco mais sinfônico por enquanto, creio que com certeza é o melhor.


Revista Rock Brigade: Wishmaster conta com a participação de um coral de vozes em diversas faixas. Como foi a experiência de gravar com todos esses cantores?

Tarja Turunen: Eu não estava no estúdio quando eles foram gravar [risos]. Minhas sessões foram em outros dias. Mas eu sei que se tratava de um coral formado apenas por cantores muito jovens e, por causa disso, Tuomas me disse que foi extremamente difícil trabalhar com eles. E eu disse pra ele que o trabalho feito com os moleques tinha ficado inacreditável, pois eles não eram cantores profissionais e o resultado ficou totalmente aceitável.


Revista Rock Brigade: Como as partes do coral serão reproduzidas ao vivo?

Tarja Turunen: Bem, é claro que não podemos levar um coral de vozes em turnê conosco, é caro demais. Por isso, suas partes terão que ser pré-gravadas, Ou seja, usaremos... Como é mesmo a palavra ? [RB - samples] Sim, isso mesmo. Mas o resto será tudo ao vivo.


Revista Rock Brigade: Você disse há pouco que não gosta de Crownless. Então, quais são as músicas de que você gosta?

Tarja Turunen: [rindo] Bem, tenho as minhas favoritas, claro. Gosto muito de She Is My Sin e também de Dead Boy's Poem, que é a música mais importante que o Nightwish já fez. Tuomas me disse que esta canção é o que ele já fez de melhor em toda sua carreira como músico. Acho que essas duas são as minhas prediletas.


Revista Rock Brigade: E quais são as suas músicas favoritas nos outros discos do Nightwish?

Tarja Turunen: Eu gosto bastante de Beauty and the Beast, do Angels Fall First. [longa pausa] E também acho que Walking in the Air, do Oceanborn, é uma de nossas melhores músicas. Gosto muito dela.


Revista Rock Brigade: Você não compõe nada no Nightwish. Porque não?

Tarja Turunen: Sim, é verdade. O que ocorre é que Tuomas é seguramente o nosso cérebro, ele é a mente por trás de tudo no Nightwish, a banda é uma manifestação de suas idéias e da sua alma. Eu tenho um respeito imenso por ele. Nossa música é definitivamente a música de Tuomas. É claro que minha voz está incluída nisso, mas ainda assim, ele é o cara por trás de tudo. Por isso, quando você pensa no Nightwish, tem que pensar em Tuomas como o compositor e Tarja como a vocalista.


Revista Rock Brigade: Oceanborn foi lançado com duas capas diferentes na Europa. Por que isso aconteceu?

Tarja Turunen: A razão para isso foi que a gravadora alemã que licenciou o disco para o resto da Europa [N. Do R.: exceto Escandinávia], a Drakkar, não gostou da capa original, e não queria lançar o CD com ela. Então eles fizeram uma outra. Porém, todos nós da banda realmente não gostamos da capa que eles arrumaram. Foi uma coisa difícil para nós, mas tivemos que aceitar. Há muitos pequenos erros na capa deles. Por exemplo, era muito importante para nós que a coruja fosse branca e na capa original ela é. Só que na deles ela é marrom, o que não tem nada a ver com o conceito. São coisas como essas, que nos deixaram tristes com aquela capa. Mas acontece, fazer o quê [N. Do R.: a capa da versão brasileira é a original].


Revista Rock Brigade: Mas a capa de Wishmaster deve ter deixado todo mundo contente, pois é muito bonita. De quem foi a idéia?

Tarja Turunen: Do Tuomas, todo o conceito de capa e encarte é idéia dele. O garoto do desenho é o mesmo da música Dead Boy's Poem. Se você observar bem, no céu está a figura de sua mãe, e ela está enviando os pássaros para o filho. Tudo isso ocorre à beira do oceano, que é uma coisa muito importante para o Tuomas. O mar é certamente uma de suas maiores fontes de inspiração.


Revista Rock Brigade: Hoje em dia, existem inúmeras bandas que contam com mulheres cantoras. Além do próprio Nightwish, muitas outras tem feito bastante sucesso, casos do The Gathering, Sinergy e Theatre of Tragedy, por exemplo. Qual a causa desse sucesso e por que as mulheres demoraram tanto para chamar a atenção dentro do metal?

Tarja Turunen: Eu não sei. Bem, acho que é muito mais fácil para uma mulher conseguir as coisas do que para um homem, seja o que for. É claro que nos anos 80 havia bandas com mulheres cantando, mas elas ficavam em segundo plano, raramente no centro do palco atraindo todas as atenções. Também é mais simples para quem é o vocalista chamar a atenção e mostrar seus sentimentos. Normalmente, a platéia interage mais com o vocalista do que com os outros músicos. Por outro lado, o cantor também é quem mais está vulnerável a não ser aceito pelo público, pois é difícil esconder o que está sentindo. Às vezes você não está bem num show e a platéia logo detecta isso. Eu sofri todo o tipo de preconceito quando comecei a cantar no Nightwish, pois sou mulher, sou cantora clássica e jamais havia ouvido Heavy Metal antes em toda minha vida. Mesmo assim, quando eu subi ao palco pela primeira vez com a banda, vi que era aquilo que eu deveria fazer. Eu gostei muito da experiência. Hoje o público e o meio Heavy já me aceitaram totalmente e é muito legal poder notar isso. Eu não sei porque isso está acontecendo só agora não só comigo, mas com todas as mulheres, mas acho que tem a ver com o estilo que quase todas nós fazemos, que é este metal mais melódico e com um lado bem oitentista, que está tendo ótima repercussão em muitos lugares do mundo.


Revista Rock Brigade: Você já teve algum problema com homens na platéia gritando baixarias pra você durante um show ? Ou mesmo no backstage?

Tarja Turunen: [rindo] Ah, lógico! Já ouvi umas coisas bem nojentas [risos], mas não tem problema, sei lidar muito bem com isso. Mesmo porque eu estou sempre com os outros caras da banda, sempre. Ou com outras mulheres [risos]. Assim, eu fico longe de qualquer problema. Minha única preocupação é nunca ficar sozinha, jamais. Pois assim sei que não terei nenhuma surpresa desagradável.


Revista Rock Brigade: Você disse que jamais havia escutado metal na vida antes de se juntar ao Nightwish, por isso, suponho que você não seja muito fã do estilo. Assim, qual é o tipo de música que você escuta quando está em casa?

Tarja Turunen: Bem, eu tenho que trabalhar com música o dia inteiro, seja nos ensaios e gravações com o Nightwish, seja estudando. Por isso, quando chego em casa, a única coisa que faço é ligar o rádio e o deixar rolando, sem me importar muito com o que estou ouvindo. De qualquer modo, eu gosto muito de Vangelis, acho que ela é a pessoa que mais me toca musicalmente. Amo seu trabalho. E é claro que também ouço muita música clássica. E você está certo, não ouço muito heavy metal, mas há uma banda da Finlândia... [pensativa] Como se chama ?


Revista Rock Brigade: Children of Bodom [N do R.: Não sei porque diabos arrisquei essa]?

Tarja Turunen: Não, não. Quer dizer, eu gosto da música deles, mas não do vocalista. [rindo] Pra mim, os vocais são a coisa mais importante numa banda de Heavy Metal e realmente não dá pra eu dizer que aqueles berros e urros signifiquem que alguém está cantando [risos]. São todos bons músicos, mas com aquelas vozes não dá pra mim.


Revista Rock Brigade: Então, seria o Stratovarius?

Tarja Turunen: Sim, isso, é o Stratovarius. Eles são muito bons. Eles têm uma carreira já bastante longa e espero que ainda tenham muito sucesso pela frente. Gosto muito da música deles.


Revista Rock Brigade: O Nightwish está vindo tocar no Brasil agora em julho. O que os fãs podem esperar dos shows por aqui?

Tarja Turunen: [rindo] Ah, eu não sei, ainda não temos muita idéia do que vamos fazer por aí [N do R.: esta conversa rolou no dia 9 de maio de 2000]. Mesmo assim, estou bastante ansiosa para tocar no seu país. Será a primeira vez que vou ao Brasil, claro, e já discutimos bastante como serão os shows. Nós sabemos que os brasileiros são loucos e até fanáticos por este tipo de música, além de serem pessoas que realmente mostram o que estão sentindo. Isso é algo que você não vê na europa, especialmente na Alemanha ou na Escandinávia. Estou realmente ansiosa para tocar por aí e ver o que acontecerá.


Revista Rock Brigade: Você conhece algo da música brasileira?

Tarja Turunen: [solta um "oh no" muito engraçado] Não faça isso comigo [risos]. Eu não conheço muito o que acontece por aí. Me desculpe. É uma vergonha... Deus, me desculpe [N. do R.: fica se desculpando repetidamente até eu dizer pela vigésima vez que não havia problema algum nisso].